A empresária Isabel dos Santos está preocupada com a situação das suas empresas em Angola e Portugal. Manifesta intenção de negociar, sobre algumas empresas, mas outras nada têm, na sua opinião, a ver com o arresto, por nunca terem tido financiamento público, nem semi-público, que bem poderiam ter vida e ciclo normal. Acompanhemos a entrevista.
Folha 8 – A Procuradoria-Geral da República (PGR) disse que as suas empresas, arrestadas, não iriam deixar de funcionar, nem de assumir os seus compromissos, para com terceiros. Confirma?
Isabel dos Santos – O arresto nas empresas não alterou a sua estrutura e os órgãos de gestão continuam hoje com os mesmos gestores, mas teve um impacto muito significativo nas operações da empresa, nomeadamente, no acesso ao crédito e a contas bancárias para importação, que foram bloqueadas a pedido da PGR de Angola às autoridades de Portugal.
F8 – Isso criou algum transtorno?
IS – Sim, levou ao despedimento de quase todo o pessoal da estrutura de compras e logística internacional. De igual modo devido à forte redução nos custos, as estruturas de gestão e gestores vão ser reduzidas para metade.
F8 – Depois do arresto quem tem a gestão das empresas?
IS – As empresas continuaram a funcionar, como já disse, com a maioria dos mesmos gestores, mas com muitas dificuldades e debilidades, com impacto negativo pela decisão de arresto do Tribunal Provincial de Luanda, pois as operações têm constrangimentos de vária ordem.
F8 – Como assim?
IS – Por exemplo, há fornecedores que não querem ter relações comerciais com as empresas pelo facto de estarem arrestadas e considerando haver risco contratual e reputacional.
F8 – Mas todos agem da mesma forma?
IS – A maioria, pois, outros só fornecem produtos e serviços a pronto pagamento ou pagamentos adiantados, pois consideram um risco dar crédito à empresa. Por outro lado, as empresas têm dificuldade em honrar os compromissos bancários devido a terem impedimentos de vária ordem na movimento de contas bancárias e aporte de fundos dos accionistas.
F8 – Tirando estas situações como estão a operar?
IS – A situação das empresas não é de funcionamento normal, pelo que seria importante que voltassem a operar regulamente.
F8 – Regularmente, significa que não se espera o fecho das empresas arrestadas?
IS – Infelizmente, já encerraram cinco (5) empresas, sendo quatro (4) em Portugal e uma (1) em Angola.
F8 – Como são honrados os compromissos com terceiros e a banca?
IS – Com muitas, muitas dificuldades, melhor, sem capacidade com tudo bloqueado, quer contas pessoais, como das sociedades. Repito, qual é o fornecedor que dá crédito a uma empresa arrestada? Mais, o Candando é um financiamento bancário e a PGR não deixa pagar aos bancos pois bloqueou as contas bancárias. É preciso, na minha opinião, uma auto avaliação da situação, de todas as partes, para se evitarem danos maiores, principalmente, no domínio da garantia dos empregos.
F8 – A situação actual do Candando é tão grave que terá de fechar?
IS – O Candando tem uma rede de supermercados e hipermercados e, neste momento, a maior dificuldade é o aprovisionamento das lojas com produtos que os clientes gostam e estão habituados, mas por falta de acesso a divisas, processos de licenciamento de importações, com custos elevados e muito impactados pela desvalorização da moeda, torna tudo muito complicado. A administração do Candando está a desenhar um plano de revitalização e as lojas que forem mais difíceis de operar serão descontinuadas.
F8 – Quantos postos de trabalho serão afectados, numa primeira fase?
IS – Neste momento, em função do quadro, para nossa tristeza, mais de 1.000 (mil) postos de trabalho serão atingidos, pelo despedimento.
F8 – Não teme ser acusada de má vontade e nada estar a fazer para impedir o pior?
IS – Não! Quem constrói um prédio, a seguir não põe fogo no prédio, pois sabe o custo e o suor que levou para o construir. A nossa vontade é continuar a trabalhar e servir os nossos clientes e os angolanos, por não termos construído para fechar, porque o empresário monta a empresa para trabalhar.
F8 – Será que a PGR não sabe da realidade ou a engenheira não tentou explicar a real situação do Candando, por exemplo?
IS – A PGR é fiscal da legalidade e parece não conhecer muito bem o metier das empresas e dos negócios. A Condis Lda. é a dona do Candando e está arrestada… Acha que isso não tem impacto? Quem vem trabalhar para uma empresa arrestada? Quem empresta dinheiro a uma empresa arrestada?
F8 – Explique-se melhor.
IS – As empresas, por este andar, vão fechar, a não ser que o Estado encontre uma saída para o pagamento das dívidas, pois neste momento não há como pagar dívidas bancárias e estas sem vender… e sem deixarem os accionistas pagar. Essa é a triste realidade. Nós não gostaríamos de fechar, nem ser forçados a despedir trabalhadores, que nada têm a ver com a situação e poderão ver o seu sonho de estabilidade social, escola e saúde dos filhos desabar, num ápice.
F8 – Tem noção do impacto, na sociedade. do desemprego de 1000 trabalhadores?
IS – Infelizmente, tenho noção sim, pois fui eu quem recrutou estes jovens, formei, dei aulas, um emprego, e foi em mim que eles acreditaram. Por isso tenho noção sim, pois sempre quis criar empregos no meus país e dei muitos, muitos empregos a muita gente, mas hoje sem a vontade do Estado para resolução deste problema nada pode, por mim, ser feito.
F8 – Qual poderia ser a solução para evitar o despedimento?
IS – Apresentamos soluções ao Estado e ao Ministério do Comércio, na esperança que estes venham a poder resolver a situação…
F8 – Tem uma proposta efectiva para o executivo e tribunal visando evitar o caos?
IS – Deve normalizar-se a situação da empresa bem como o seu funcionamento, e pôr a empresa em primeiro lugar, à margem, pois está a obrigar-se a empresa Candando a um litígio da qual ela não é parte. As empresas que não têm nada a ver com o arresto não deviam estar envolvidas nesta questão. O Candando não tem dinheiro do erário público, nem dívidas com o Estado, nem financiamento do Estado, então ela não deveria ter sido arrestada.
F8 – Acha que a situação poderá piorar, se nada for feito?
IS – A situação económica é muito difícil, a factura média do consumidor era 8.500kwz, em 2018, agora é menos de 5000kwz . O Candando tem financiamentos bancários com taxas de juro de 20%, por outro lado, as vendas e o consumo baixaram em 40%. Cada vez mais as famílias compram apenas o básico e necessário. Caso não haja acesso a taxas de juros mais baixas, e se permitir o pagamento do serviço da dívida aos bancos, a situação da empresa poderá agravar-se de maneira significativa.
F8 – A senhora é acusada de estar a tentar confundir as pessoas, quando junta património pessoal e o empresarial, na questão do arresto de contas. É ou não verdade?
IS – Infelizmente, quem não entende de negócios acha que accionista, participação social e empresa são conceitos separados e, vivem em corpos diferentes. Não é assim! Na realidade são todos membros do mesmo corpo e um corpo, sem um braço ou sem um pé ou sem cabeça… não é igual e normal. Accionista, participação social e empresa são todos membros de um só e único corpo… Pois o dinheiro do accionista é garantia do aval ao banco, paga a participação e constrói a empresa. Quando esta (empresa) tem dinheiro dá ao accionista e quando (a empresa) não tem dinheiro quem paga as contas é o accionista que detém a participação social, por isso vivem todos num único e só corpo. Actualmente, a situação das empresas não é de funcionamento normal, pelo que é importante que estas voltem a operar regularmente.